Comportamento animal.
Qual a nossa responsabilidade?
Adotamos,
compramos ou ganhamos um filhote e tudo é muito encantador. O primeiro incômodo
é aquele chorinho, principalmente à noite quando o filhotinho está com medo. O
choro é inicialmente ignorado, mas vai aumentando de volume e de constância.
Daqui a pouco ele está gritando. Um som agudo, que nem deixa os moradores da
casa dormirem e ainda pode causar aquela preocupação com possíveis incômodos
causados aos vizinhos.
Afinal, sem
suas referências iniciais - a mãe e os irmãozinhos -, o filhotinho se
vê sozinho, em um lugar desconhecido, cheiros diferentes, tudo estranho. Mas
isso, aparentemente, está fácil de ser resolvido. Pegamos o animalzinho e o colocamos em nossa
cama. Pronto.
Mas há um problema nisso. Se agimos assim, resolvemos a questão de imediato, ma não fazemos uma adaptação gradual do filhote em seu novo ambiente. Logo, estão sendo criados dois hábitos que futuramente os mesmos donos tão tolerantes irão se incomodar e talvez até punir inadequadamente aquele cão. São eles: o hábito de latir por ter sido recompensado com nossa atenção e o hábito de subir na cama, que uns não se incomodam, mas outros proprietários não toleram.
Mas há um problema nisso. Se agimos assim, resolvemos a questão de imediato, ma não fazemos uma adaptação gradual do filhote em seu novo ambiente. Logo, estão sendo criados dois hábitos que futuramente os mesmos donos tão tolerantes irão se incomodar e talvez até punir inadequadamente aquele cão. São eles: o hábito de latir por ter sido recompensado com nossa atenção e o hábito de subir na cama, que uns não se incomodam, mas outros proprietários não toleram.
Esse
cenário aqui descrito é muito comum e por isso resolvi introduzir a entrevista por ele. Muitos comportamentos do cão são herdados. Uma herança genética.
Mas outros podem ser criados deliberadamente ou não por nós, proprietários. Por
excesso de zelo ou permissividade ou por ausência destes, podemos criar cães
com muitos medos ou, ao contrário, com sérios problemas em lidar com limites.
Devemos
também ter muito cuidado ao escolher a raça. Já falamos sobre isso em outro
artigo aqui no blog: “Ter ou não ter animais de estimação? Eis a questão.” Raças
diferentes, temperamentos e necessidades diferentes. As condições nas quais os animais viviam antes de nos pertencer, também poderão influenciar em seu comportamento.
Muita coisa, não é mesmo?
E o mais
importante disso tudo: não podemos esquecer que ter um animal de estimação é
muito mais do que ter divertimento garantido a toda hora e um bichinho bonitinho
para brincar e passear de vez em quando. São seres vivos e, por isso mesmo, precisam de cuidados específicos. Geram custos, dão trabalho
e exigem de nós responsabilidade e amor. Se estivermos dispostos a ter tantos cuidados, valerá muito à pena.
Como
vimos na entrevista passada com a bióloga e adestradora, Isabela Jardim, muitas
vezes os proprietários estão mais em busca da resolução de um comportamento do
seu animal do que no adestramento de obediência simplesmente.
Quem nos
explica alguns aspectos sobre comportamento é a Cassia Rabelo Cardoso dos
Santos. Cassia, 37 anos, cursou faculdade de Direito. Mas desde 2010 atua como
adestradora e consultora comportamental da equipe Cão Cidadão. Equipe do
Alexandre Rossi, também conhecido como Dr. Pet. “O estudo do comportamento animal,
das técnicas de adestramento e modificação comportamental, é fascinante para
todos que amam animais. Através da Cão Cidadão, fundada pelo zootecnista e
especialista em comportamento, Alexandre Rossi, pude realizar esse sonho, no
momento em me tornei franqueada da empresa. Lá, contamos com uma equipe grande
e a Cão Cidadão nos fornece apoio, treinamento e as orientações necessárias para o
exercício da profissão.
Cãopetente – Percebo que há uma certa confusão na cabeça das pessoas sobre o que é o comportamento animal e suas ações corretivas e o adestramento. Poderia explicar essas duas coisas?
Cassia Rabelo - Sim. Eu acho que existe essa
confusão no momento em que as pessoas não entendem que, para que o adestramento resulte nos efeitos desejados, deve-se, antes de tudo, respeitar o comportamento
natural dos animais. Qualquer animal pode ser adestrado e, para tanto, deve-se
conhecer bem suas características comportamentais naturais. Com o adestramento,
cria-se um canal de comunicação eficaz com o animal, pois quando este atende a
um comando, está entendendo o que se espera dele e quais serão as
consequências.
Cãopetente –
Descreva o que é a consulta comportamental, bem como o papel do especialista e
a responsabilidade dos proprietários.
Cassia Rabelo - A consulta comportamental na Cão Cidadão consiste em avaliar o problema
em conjunto com a família, o ambiente e a forma de interação com o animal de
estimação, para identificar as causas, explicá-las aos proprietários e prestar
as orientações necessárias para a modificação comportamental. Visando sempre que a família e o pet tenham uma convivência saudável e harmoniosa. Após as
orientações prestadas na consulta comportamental, para que a chance de sucesso
seja maior, é preciso comprometimento dos proprietários para colocar em
prática todos os passos necessários para modificação desses comportamentos.
Cãopetente – A
consulta é feita na casa da família? Se sim, qual a vantagem nesse modelo de atendimento?
Cassia Rabelo - Em geral, as consultas são domiciliares. A vantagem reside no fato de
que é possível observar todos os fatores ambientais que podem estar
influenciando no comportamento problema, bem como obter informações preciosas
junto àqueles que convivem com o pet.
Cãopetente - É
possível uma avaliação a distância? Se há essa possibilidade, de que forma é feita?
Cassia Rabelo - Sim, é possível uma avaliação à distância, até mesmo por telefone ou
vídeo-conferência. Neste caso, é preciso que o proprietário forneça o maior
número possível de detalhes da situação, rotina e manejo do animal de
estimação, para que o consultor tenha elementos suficientes para identificar a
causa do comportamento e dar as orientações pertinentes. Há casos, inclusive,
em que a consulta comportamental é dada para uma pessoa que nem tem ainda um
cão ou um gato. São pessoas que buscam orientações profissionais prévias antes
de levar o bichinho para casa, visando agir da forma correta desde o início.
Cãopetente – Vamos
falar sobre os animais. Quais são os comportamentos dos cães e dos gatos que
mais incomodam as pessoas?
Cassia Rabelo - Falando de cães, os comportamentos que mais geram descontentamento são as
necessidades feitas fora do local desejado, latidos em excesso e agressividade.
Para modificar esses atos, utilizamos o reforço positivo, ou seja,
recompensando os cães quando adotam os comportamentos que esperamos deles. No caso
das fezes, direcionando-os ao local que seria o “banheiro” e recompensando
quando o cão fizer no lugar definido pelo dono. Nas hipóteses de latidos em excesso e agressividade, da
mesma forma, criando situações que poderiam desencadear tais comportamentos e
utilizando também o reforço positivo para que o cão entenda que será recompensado
exatamente quando não latir ou demonstrar reatividade.
No caso
dos gatos, os comportamentos problemáticos são agressividade, xixi fora da caixa
(marcação), e medo em excesso de pessoas ou animais. Na agressividade, é
preciso verificar os motivos que a desencadeiam e pode-se também utilizar o reforço positivo para modificação. Para marcação com urina e fezes, é preciso
verificar as condições ambientais - número de caixas de areia, substrato,
acesso, se há outros gatos na casa -, e adequar, com base nessas informações. E
quanto ao medo excessivo, trabalhar bastante com associações positivas e ter
muita paciência.
Cãopetente – Como diferenciar no comportamento do animal se este se trata de uma herança genética ou do resultado do tratamento que recebe?
Cassia Rabelo - Na verdade, essa diferenciação é bastante difícil. Um animal pode nascer
com temperamento medroso, mas se for bem sociabilizado desde filhote, tende a se
tornar um adulto confiante. Em resumo, podemos afirmar que o temperamento é
herdado geneticamente e se resume à maneira como o animal reage às situações.
Conhecendo-se o temperamento do cão, é possível um maior controle dos
comportamentos influenciados por este.
Cãopetente – Qual, na sua opinião, é o maior erro de donos de animais de estimação
no trato com seus cães e gatos (ou quaisquer outros animais), tanto do ponto
de vista da negligência, quanto nos excessos de zelo?
Cassia Rabelo - Acredito que o maior
erro dos proprietários reside no fato de não atender às necessidades efetivas
para o bem-estar do animal de estimação. Por exemplo, um dono pode achar que ao
levar o cão ao pet shop toda semana para tomar banho, estará garantindo sua
saúde, pois ele se mantém limpo. Esse mesmo dono não gosta de sair com o cão de
porte pequeno, pois acredita que ele se suja e também acha que, dentro de casa,
já gasta energia suficiente. Mas passeios são essenciais para cães. Eles precisam dessa atividade não só pensando em gasto energético, mas também como
uma forma de estimulação mental, pois necessitam farejar, interagir com outras
pessoas e animais, ter estímulos visuais. Ou seja, sob o ponto de vista do cão,
a situação acima não está atendendo às suas necessidades e pode gerar problemas
comportamentais.
Cãopetente - É possível identificar e resolver esse tipo de situação nas consultas
comportamentais?
Cassia Rabelo - Nas consultas comportamentais é possível avaliar a rotina dos membros da
família e do animal de estimação e perceber que, muitas vezes, a resolução do
problema está numa simples mudança de pensamento e atitude.
Cãopetente – Eu
costumo dizer que o meu amor pelos animais não me impede de enxergá-los como
animais que são e, sinceramente, por isso mesmo, amá-los ainda mais. Priorizo sempre uma relação de respeito, cuidado,
responsabilidade e amor. E introduzo a pergunta com essa explicação, porque nos
deparamos todo o tempo com paradoxos nessa relação entre nós, seres humanos, e os nossos animais de estimação. Um dos lados é aquele que abominamos. Maus-tratos, abandono e negligência. O outro
lado implica em relações que humanizam o animal, propiciando a eles todo o tipo
de benefícios que naturalmente daríamos a uma criança, como
adereços, excesso de banhos, uso de perfumes. São geralmente animais que não podem se sujar, não
brincam em quintais, não fuçam, usam roupas o tempo inteiro etc. Nada mal
diante do outro extremo. Mas esse comportamento de donos super zelosos pode
também trazer algum prejuízo ao animal?
Cássia Rabelo – Sim. Minha experiência no dia a dia já demonstrou que quanto mais
humanizado for o pet, maiores as chances de desenvolverem problemas comportamentais. Para citar alguns:
ansiedade, latidos em excesso, ser seletivo com a comida que lhe é oferecida.
Cabe a nós, profissionais e estudiosos do comportamento animal, mostrar às
pessoas que a responsabilidade do dono inclui atender às necessidades comportamentais
naturais de seus animais de estimação. No caso dos cães, como você mencionou, fuçar, farejar, rolar no chão. Para gatos, escalar, brincar de “caçar”, ter
acesso a locais altos, pois adoram escaladas.
Cãopetente – Outra coisa que podemos ver de forma bastante recorrente são pessoas
desistindo dos seus animais por acharem que todas as raças possuem o mesmo
comportamento e, no fim das contas, se depararem com alguma que não esteja apresentando o comportamento consonante com o que esperavam de um animal de estimação. Qual a importância
de pesquisar sobre raças antes de adotar ou comprar um animal?
Cássia Rabelo - Cães ou gatos de uma mesma raça tendem a apresentar comportamentos
equivalentes, mas nunca se deve esquecer do indivíduo. Numa mesma ninhada,
podemos ter filhotes mais ativos e outros mais calmos. De qualquer forma, é
muito comum a aquisição de um cão da “raça da moda”, sem que se conheça,
efetivamente, as características comportamentais predominantes destas. Assim,
por exemplo, uma família pode acabar adquirindo um cão extremamente ativo para
o perfil dos donos, o que gera bastante problema e, às vezes, abandono.
Cãopetente – É
possível fazer confusão entre comportamento mal-educado e hiperativo?
Cassia Rabelo - Em geral, o comportamento que os donos classificam como mal-educado diz
respeito a animais para os quais não é ensinada a noção de limites. Ou seja,
são aqueles que fazem tudo, no momento em que desejam. Um cão hiperativo pode
muito bem ser educado, especialmente quando ensinado a respeitar determinados
limites e quando as pessoas que convivem com ele agem de forma
consistente.
Cãopetente - Há solução para todos os problemas?
É muito
complicado falar em solução efetiva de qualquer problema comportamental. Pois
tudo depende do caso concreto, das suas causas, do tempo que vem sendo
apresentado. Muitas vezes, a melhor alternativa é aprender a lidar com
determinados comportamentos, de forma segura e respeitando o bem-estar do animal.
Fica a pergunta: estamos dispostos a dar limites?
Meus
parceiros Cãopetentes, com a entrevista, é possível afirmar que, assim como as crianças, os animais também precisam de limites. Precisamos segurar nossos
melhores e mais bem intencionados impulsos afetivos quando eles são os
bebezinhos da casa, para não gerarmos insatisfações no futuro com
comportamentos indesejados. Limite não significa ignorar o animal ou puni-los
de maneira inadequada. Por isso, ler, pesquisar, conhecer um pouco mais sobre o
assunto é sempre muito importante. E, se puder contratar um profissional para
ensiná-los, e eu diria que o ensinamento passa também pelo proprietário, certamente o resultado será uma vida muito mais harmoniosa com
nossos amores de quatro patas. Em contrapartida, eles também serão animais mais
saudáveis e felizes.
A Cassia Rabelo tem um blog onde disponibiliza muitas dicas legais. É o Cão Amor. É só clicar em www.caoamor.blogspot.com.br/.
Conheça também a Cão Cidadão. O site possui textos bem elucidativos sobre vários assuntos (http://www.caocidadao.com.br/).
E o que temos para a próxima semana?
Falamos nas duas últimas entrevistas sobre adestramento e comportamento animal. Mas e o resultado disso tudo? Na próxima semana a conversa será com Marina Moussi e Ana Lúcia Prats. Duas clientes da Cassia Rabelo, sendo a primeira de consulta comportamental e a outra, cliente de adestramento.
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